Tese Mestrado A. Laranjeiro fosfoetanolamina 2016

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Tese Mestrado A. Laranjeiro fosfoetanolamina 2016

https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/42497/1/M_Angela%20Laranjeiro.pdf
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Ângela Mesquita Laranjeiro
Potencial efeito antitumoral da Fosfoetanolamina Sintética
em modelos de tumores experimentais
Monografia realizada no âmbito da unidade de Estágio Curricular do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, orientado pelo
Professor Doutor Ricardo António Esteves de Castro e apresentada à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
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Julho 2016

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Potencial efeito antitumoral da Fosfoetanolamina Sintética
s Farmacêuticas,
Ângela Mesquita Laranjeiro
em modelos de tumores experimentais
Monografia realizada no âmbito da unidade de Estágio Curricular do Mestrado Integrado em Ciência
orientado pelo Professor Doutor Ricardo António Esteves de Castro e apresentada à Faculdade de
Farmácia da Universidade de Coimbra
Jul
ho
2016
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Professor Doutor Ricardo António Esteves
O Tutor,
_______________________________
de Castro
A Aluna,
_______________________________
Ângela Mesquita Laranjeiro

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Eu, Ângela Mesquita Laranjeiro, estudante do Mestrado Integrado em Ciências
Farmacêuticas, com o nº 2011144662, declaro assumir toda a responsabilidade pelo conteúdo
da Monografia apresentada à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, no âmbito
da unidade de Estágio Curricular.
Mais declaro que este é um trabalho original e que toda e qualquer afirmação ou
expressão, por mim utilizada, está referenciada na Bibliografia desta Monografia, segundo os
critérios bibliográficos legalmente estabelecidos, salvaguardando sempre os Direitos de Autor,
à exceção das minhas opiniões pessoais.
Coimbra, 12 de julho de 2016
_____________________________
Ângela Mesquita Laranjeiro

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AGRADECIMEN TO S
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Na conclusão da última etapa do meu percurso académico, não posso deixar de
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agradecer a todos os que me acompanharam e que contribuíram para que cumprisse os meus
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objetivos.
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Um sincero agradecimento ao meu tutor, Professor Ricardo Castro, pela orientação
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durante a realização desta monografia e por todos os conselhos e palavras de incentivo.
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Às melhores amigas que Coimbra me deu, Patrícia, Rita, Inês, Sónia, Mafalda e Ana
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Lúcia, agradeço a amizade, as palavras de ânimo e todos os momentos partilhados durante
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este percurso que fizemos juntas.
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Um agradecimento especial à Inês Jorge, pela partilha de experiências e pelo apoio
fundamental durante esta etapa.
Ao meu namorado, um obrigado nunca será suficiente para agradecer pela paciência e
por todo o apoio, carinho e motivação demonstrados durante todo o meu percurso, mas,
principalmente, nesta fase final.
Aos meus pais, aos meus irmãos e aos meus avós, o meu mais sincero e profundo
agradecimento pelo amor, pelo apoio, pela paciência e pelo carinho, de sempre.
iv

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RESUMO
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O cancro constitui uma das principais causas de morte em todo o mundo e apesar da
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enorme variabilidade que o caracteriza, evidências científicas demonstram que a resistência à
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apoptose, decorrente de defeitos na sinalização da morte celular, é uma das suas
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características mais marcantes.
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A existência de mecanismos de resistência aos processos de regulação da apoptose e do
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ciclo celular traduz-se numa busca incessante da investigação científica por novos compostos
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capazes de atuar a esse nível.
__rendered_path__6
A descoberta da especificidade da acumulação da fosfoetanolamina nas células tumorais e
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antes da indução da apoptose sugerem que esta substância possa exercer um papel indutor da
morte celular, possuindo, assim, propriedades antitumorais.
Palavras-chave:
Fosfoetanolamina, cancro, apoptose, mitocôndria, fosfolípidos.
v

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ABSTRACT
__rendered_path__6
Cancer
is
a
worldwide
leading cause of death, and despite the huge variability that characterizes
__rendered_path__7
it
,
scientific evidence
shows
that resistance to apoptosis due to
defects in
cell death signaling
, is one of
__rendered_path__6
its most remarkable features.
__rendered_path__6
The existence of resistance mechanisms of apoptosis and cell cycle regulation processes is reflected
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in a constant search of scientific research for new compounds capable of acting at this level.
__rendered_path__6__rendered_path__8
The discovery of the specificity of phosphoethanolamine accumulation in tumor cells and before
__rendered_path__7
the induction of apoptosis suggests that this substance may have a role in inducing cell death, thus
__rendered_path__6
having antitumor properties.
__rendered_path__6
Keywords:
Phosphoethanolamine, cancer, apoptosis, mitochondria, phospholipids.
vi

Page 8
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ÍN DICE
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Resumo
................................
................................
................................
................................
.......................
v
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Abstract
................................
................................
................................
................................
.....................
vi
__rendered_path__8
1.
Introdução
................................
................................
................................
................................
.........
1
__rendered_path__8__rendered_path__10
2.
Fosfolípidos antineoplásicos
................................
................................
................................
.....
2
__rendered_path__8__rendered_path__10
2.1.
Características gerais
................................
................................
................................
................
2
__rendered_path__9
2.2.
Mecanismo de ação
................................
................................
................................
....................
3
__rendered_path__8
2.3.
F
osfoetanolamina
................................
................................
................................
........................
4
__rendered_path__8
3.
Aspetos gerais do cancro
................................
................................
................................
...........
5
4.
Apoptose
morte celular programada
................................
................................
..............
6
4.1.
Vias apoptóticas
................................
................................
................................
..........................
7
4.1.1.
Via extrínseca
................................
................................
................................
........................
7
4.1.2.
Via intrínseca ou mitocondrial
................................
................................
.............................
7
5.
Evidências experimentais da atividade da fosfoetanolamina sintética
................
9
5.1.
Efeito antitumoral em células de melanoma murino
................................
..........................
9
5.2.
Efeito antitumoral em células de tumor ascítico de Ehrlich
................................
...........
10
5.3.
Efeito antitumoral em modelos celulares humanos de cancro da mama
....................
11
5.4.
Efeito antitumo
ral no carcinoma de células renais murino
................................
............
12
5.5.
Efeito antitumoral em modelos de leucemia humana
................................
......................
12
6.
Controvérsia
................................
................................
................................
................................
..
13
7.
Perspetivas futuras
................................
................................
................................
.....................
14
8.
Conclusão
................................
................................
................................
................................
........
16
9.
Bibliografia
................................
................................
................................
................................
......
17
vii

Page 9
Figura 1.
Representação da assimetria das membranas biológicas.
..............
Figura 2.
Estrutura química da fosfoetanolamina
..............
Figura 3.
Via apoptótica intrínseca ou mitocondrial
........
Figura 4.
Mecanismo hipotético da indução da
....
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__rendered_path__7
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__rendered_path__7
ADN
ANVISA
Apaf
-
1
Bak
Bax
Bcl
-
2
Bid
HUVEC
IQSC
IRPTC
PTP
TNF
ÍN DICE DE FIGURAS
................................
................................
................................
................................................................
apoptose pela fosfoetanolamina sintética
ABREVIATURAS
Ácido Desoxirribonucleico
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Apoptot
ic
Protease Activating Factor 1
Bcl
-
2 homologous antagonist killer
Bcl
-
2
-
associated X protein
B
-
cell lymphoma 2
BH3 interacting
-
domain death agonist
Human Umbilical Vein Endothelial C
ells
Instituto de Química de São Carlos
I
mmortalized
R
at
Proximal Tubule C
ells
Poros de Transição de Permeabilidade
Tumor Necrosis Factor (Fator de Necrose Tumoral)
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2
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4
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8
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11
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viii

Page 10
1. Introdução
O cancro constitui uma das principais causas de morte em todo o mundo. Milhões de
pessoas vivem com o diagnóstico e estima-se que nas próximas décadas o número de novos
casos tenda a aumentar, o que torna a luta contra o cancro um trabalho diário e permanente,
que requer um esforço de pesquisa e reinvenção constantes na busca por novos tratamentos.
Existem três abordagens terapêuticas principais no tratamento do cancro: radioterapia,
quimioterapia e cirurgia. A quimioterapia baseia-se, essencialmente, na exploração das
diferenças entre as células cancerígenas e as células saudáveis. No entanto, o elevado grau de
semelhança entre elas torna a identificação de diferenças exploráveis um desafio e, apesar de
serem cada vez mais seletivos, os fármacos utilizados acabam por afetar todas as células,
incluindo as saudáveis. Da mesma forma, a radioterapia, que tem por objetivo matar as células
cancerígenas e impedir o crescimento do tumor, acaba por também ser nociva para as células
saudáveis.
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Assim, a tendência atual é a procura de fármacos cada vez mais seletivos e com um menor
número, ou até mesmo isentos, de efeitos adversos que possam comprometer as células
saudáveis.
No geral, a área da oncologia tem sido um campo de intensa investigação científica e uma
das áreas que tem conseguido obter mais resultados, sendo privilegiada a pesquisa e o
desenvolvimento de fármacos que atuem tanto na regulação do crescimento tumoral, como
no metabolismo das células cancerígenas, principalmente ao nível dos mecanismos de controlo
do ciclo celular e apoptose, que se encontram defetivos nas células cancerígenas.
Recentemente, as mitocôndrias das células cancerígenas têm surgido como o «calcanhar
de Aquiles» da destruição do tumor. Agentes antitumorais visando especificamente as
mitocôndrias de células tumorais, atuam por desestabilização desses organelos,
desencadeando o seu potencial apoptogénico e resultando na morte eficiente das células
malignas (Mollinedo et al., 2011).
Integrando esse fluxo de inovação, surgiram os fosfolípidos antineoplásicos, uma
promissora classe terapêutica de agentes antineoplásicos que apresenta um mecanismo de
ação inovador, atuando com grande seletividade ao nível das membranas celulares das células
tumorais, induzindo a apoptose.
Com o recente advento dos fosfolípidos antineoplásicos no tratamento do cancro, torna-
se, agora, interessante investigar e determinar se o percursor central da biossíntese dos
fosfolípidos, a fosfoetanolamina, pode igualmente apresentar efeitos antitumorais.
1

Page 11
2. Fosfolípidos antineoplásicos
2.1. Características gerais
Todas as células são delimitadas por uma membrana, designada membrana plasmática ou
celular, que separa o conteúdo celular do meio envolvente. As células eucarióticas, além de
membrana plasmática, apresentam ainda uma grande variedade de membranas internas que
envolvem e definem os compartimentos intracelulares, denominados organelos, tais como as
mitocôndrias e o retículo endoplasmático (Rang e Dale, 2012).
Diferenças subtis entre as várias membranas biológicas atribuem a cada organelo a sua
característica distintiva, no entanto, independentemente da sua localização, todas as
membranas biológicas apresentam uma estrutura geral que lhes é comum, sendo compostas
essencialmente por lípidos e proteínas.
Os lípidos mais abundantes nas membranas celulares são os fosfolípidos, que constituem a
bicamada lipídica, elemento fundamental da estrutura das membranas. Da composição
fosfolipídica da membrana destacam-se, em termos quantitativos, a fosfatidilcolina, a
fosfatidilserina e a fosfatidiletanolamina (Alberts et al., 2010; Azevedo, 2005).
De uma maneira geral, os fosfolípidos de membrana encontram-se envolvidos na
transdução do sinal celular, principalmente nos sinais de morte celular, quer pela estimulação
dos recetores ao nível da membrana, quer pela geração de segundos mensageiros (Ferreira,
Adilson K et al., 2011).
As membranas biológicas são geralmente assimétricas na sua estrutura (Figura 1), sendo
essa assimetria expressa pela diferente composição molecular observada nas duas
monocamadas da membrana, já que os lípidos e as proteínas não se encontram distribuídos
de forma equivalente nas duas camadas (Azevedo, 2005).
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Figura 1. Representação da assimetria das membranas biológicas. Adaptado (Alberts et
al., 2010).
2

Page 12
Nas células eucarióticas, os novos fosfolípidos são sintetizados por enzimas associadas à
face externa da membrana do retículo endoplasmático, que utilizam ácidos gordos livres como
substratos, sendo depois depositados na monocamada interna da membrana plasmática.
Para permitir que a membrana cresça uniformemente como um todo, metade das novas
moléculas de fosfolípidos recém-sintetizados é transferida para a monocamada oposta,
processo catalisado por enzimas designadas flipases. Na membrana plasmática, as flipases
transferem os fosfolípidos seletivamente, de modo a que diferentes tipos fiquem concentrados
em cada monocamada.
Geralmente, a fosfatidilcolina localiza-se na monocamada externa e a fosfatidiletanolamina
e fosfatidilserina encontram-se na monocamada interna das membranas celulares (Alberts et
al., 2010).
A assimetria dos lípidos é estabelecida e mantida durante o crescimento da membrana,
graças à troca extremamente lenta dos fosfolípidos entre as duas camadas. A existência e
manutenção da assimetria química e estrutural entre as monocamadas das membranas é
essencial para a realização das funções celulares (Alberts et al., 2010).
Existem evidências de que nos estádios precoces da apoptose, a assimetria dos lípidos é
perturbada, existindo translocação da fosfatidilserina da monocamada interna para a externa
da membrana, o que parece constituir o mecanismo fundamental através da qual as células
apoptóticas são reconhecidas e eliminadas pelos macrófagos (Quinn e Kagan, 2004).
Os fosfolípidos antineoplásicos constituindo uma classe terapêutica com um mecanismo
de ação inovador, interferindo em eventos reguladores celulares defetivos nas células
tumorais, têm adquirido grande importância como compostos modelo para o
desenvolvimento de novos fármacos mais seletivos para a terapêutica antitumoral (Brachwitz
e Vollgraf, 1995).
2.2. Mecanismo de ação
O mecanismo de ação dos fosfolípidos antineoplásicos permanece ainda pouco claro, no
entanto, existem evidências substanciais de que estes agentes antitumorais, ao contrário dos
fármacos antineoplásicos convencionais, não têm como alvo o material genético das células e
a reparação da maquinaria de replicação celular, mas sim a membrana plasmática,
especialmente a das células tumorais, atuando ao nível da modulação da biossíntese dos lípidos
de membrana e indução da apoptose (Ferreira, Meneguelo, Pereira, et al., 2012).
Efetivamente, foi demonstrado que os seus efeitos estão dependentes da sua incorporação
na membrana plasmática (Ferreira, Meneguelo, Marques, et al., 2012).
3

Page 13
Uma vez inseridos na membrana, os fosfolípidos antineoplásicos interferem no
metabolismo e turnover dos fosfolípidos, levando a uma acumulação dos mesmos na membrana
plasmática com alteração das propriedades físicas da mesma, intervindo na transdução de
sinais, especialmente na inibição da transdução do sinal mitogénico, culminando na indução da
morte celular por apoptose (Ferreira, Meneguelo, Pereira, et al., 2012).
A maioria dos efeitos exercidos por estes agentes estão associados à inibição da
biossíntese de fosfatidilcolina, fosfolípido essencial na proliferação celular, que se encontra
aumentada nas células cancerígenas, interferindo assim no turnover dos fosfolípidos na
membrana celular, induzindo apoptose (Ferreira, Adilson K et al., 2011).
2.3. Fosfoetanolamina
A fosfoetanolamina (Figura 2) é uma amina primária, sintetizada no retículo
endoplasmático, que atua como percursora central na biossíntese de fosfolípidos, tais como a
fosfatidiletanolamina e a fosfatidilcolina, constituintes maioritários das membranas biológicas
envolvidos no turnover das membranas e nas vias de sinalização lipídica (Dhakshinamoorthy et
al., 2015; Ferreira, A K et al., 2013).
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Figura 2.Estrutura química da fosfoetanolamina (Pubchem, 2016).
Adicionalmente, participa em várias etapas de regulação no metabolismo celular,
particularmente no metabolismo mitocondrial, através da regulação do potencial de membrana
mitocondrial e indução da apoptose (Dhakshinamoorthy et al., 2015).
A fosfoetanolamina foi isolada e identificada pela primeira vez em 1936, por Edgar
Lawrence Outhouse, do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá, a partir de
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tumores malignos bovinos (Outhouse, 1936).
No início dos anos 90, passou a ser estudada pelo químico Gilberto Chierice, do Instituto
de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo, Brasil, que colocou a hipótese de se
tratar de uma substância integrante dos mecanismos de defesa do organismo contra as células
tumorais (MCTI, 2015).
Apesar de a fosfoetanolamina ser produzida em escala industrial pelo laboratório Santa
Cruz Biotechnology dos EUA (Texas) e comercializada pela Sigma-Aldrich há décadas e de
4

Page 14
existir como suplemento alimentar nos EUA há mais de 50 anos, Gilberto Chierice iniciou os
seus estudos para encontrar uma nova via de síntese, alegando que as existentes seriam de
baixo rendimento. Alguns meses depois, conseguiu sintetizar em laboratório a
«fosfoetanolamina sintética», uma molécula fosforilada artificialmente, produto da combinação
de duas substâncias, a monoamina e o ácido fosfórico, através de uma nova via de síntese que
gera um composto de alta pureza, de baixo custo e com um alto rendimento (cerca de 95 %)
(MCTI, 2015).
O interesse na elucidação das propriedades antitumorais da fosfoetanolamina decorre do
papel dos fosfolípidos, particularmente da fosfatidilcolina e da fosfatidilserina, na indução da
apoptose.
A utilização de metabolitos como agentes terapêuticos é particularmente interessante na
medida em que estes possuem papéis importantes nos processos celulares, para além de que,
sendo moléculas produzidas endogenamente pelas células, podem ser menos propensos a ter
efeitos tóxicos fora do seu alvo terapêutico, em relação aos compostos sintéticos. Como tal,
há um interesse significativo na identificação e caracterização de metabolitos com potencial
antitumoral específico que pode levar ao desenvolvimento de novos agentes
quimioterapêuticos (Dhakshinamoorthy et al., 2015).
Os metabolitos envolvidos nas vias de sinalização lipídica, tais como a fosfoetanolamina,
têm sido estudados como candidatos terapêuticos focados no metabolismo do cancro. A
especificidade da acumulação da fosfoetanolamina nas células tumorais e o facto de essa
acumulação ocorrer antes da indução da apoptose, sugerem que a fosfoetanolamina possa
exercer um papel indutor da apoptose, possuindo assim propriedades antitumorais
(Dhakshinamoorthy et al., 2015).
3. Aspetos gerais do cancro
Os processos de multiplicação e divisão celulares, bem como o crescimento dos tecidos,
são processos altamente regulados no sentido de manter as populações celulares dentro de
limites fisiológicos. Alterações nesse sistema regulador resultam em distúrbios celulares, sendo
uma das consequências as neoplasias.
Uma neoplasia é uma lesão com origem na proliferação descontrolada das células, que leva
a uma acumulação progressiva de células alteradas, conduzindo à formação de uma massa
tumoral.
As neoplasias são classificadas de acordo com o seu comportamento, localização
anatómica e morfologia, em benignas ou malignas, sendo o termo cancro utilizado como
sinónimo de neoplasia maligna.
5

Page 15
No sentido de identificar os alvos e os obstáculos terapêuticos existentes, é importante
considerar e compreender a fisiopatologia da doença.
O processo de desenvolvimento do cancro é complexo e envolve muitas etapas, que
resultam de alterações genéticas (mutações no ADN, alterações da integridade
cromossómica) e epigenéticas (ação hormonal, efeitos de promotores tumorais, entre outras)
que conferem vantagens na sobrevivência e crescimento às células, conduzindo à multiplicação
e proliferação descontroladas de células anormais (Alberts et al., 2010).
As células cancerígenas manifestam, essencialmente, quatro características que as
distinguem das células normais: proliferação descontrolada, desdiferenciação e perda de
função, poder de invasão e capacidade de metástase (Rang e Dale, 2012).
Apesar da enorme variabilidade que caracteriza o cancro, evidências científicas
demonstram que a resistência à apoptose, decorrente de defeitos na sinalização da morte
celular, é uma das características mais marcantes da maioria das neoplasias malignas.
Em contraste com as células normais, que obtêm a energia necessária para os processos
celulares a partir da fosforilação oxidativa mitocondrial, a maioria das células cancerígenas
apresentam um metabolismo dependente da glicólise aeróbia, que lhes proporciona um
fornecimento constante e contínuo de metabolitos, permitindo uma proliferação mais rápida
(Dhakshinamoorthy et al., 2015; Heiden, Vander, Cantley e Thompson, 2009).
Esta alteração do metabolismo foi, recentemente, reconhecida como uma das marcas
principais do cancro e como resultado, está a tornar-se um alvo promissor para o
desenvolvimento de novos fármacos antineoplásicos (Dhakshinamoorthy et al., 2015).
Uma vez que os níveis de fosfoetanolamina aumentam ligeiramente, mas de forma
consistente em todas as perturbações metabólicas, a reação parece ser uma resposta
generalizada ao stresse metabólico e que pode ser indicativa de um aumento do turnover
fosfolipídico na membrana plasmática ou de uma resposta apoptótica ao aumento do nível de
stresse celular (Vermeersch et al., 2014).
4. Apoptose morte celular programada
A apoptose, também denominada morte celular programada, constitui um mecanismo
fisiológico de morte celular, segundo o qual ocorrem uma série de alterações morfológicas e
bioquímicas na célula que conduzem à sua morte. É um processo suscetível de regulação,
assumindo uma importância fundamental na homeostasia da generalidade dos tecidos, bem
como, quando inapropriadamente regulado, na fisiopatologia da maior parte das doenças,
incluindo o cancro (Degterev, Boyce e Yuan, 2003).
6

Page 16
Com efeito, em conjunto com os processos de divisão e proliferação celulares, a apoptose
é responsável por controlar a quantidade e os tipos de células que são produzidas, removendo
as que são desnecessárias ou perigosas para o organismo (Hengartner, 2000).
O processo de apoptose é mediado por uma família de proteases, designadas caspases,
que são sintetizadas na célula sob a forma zimogénios inativos (pro-caspases), necessitando de
ser ativadas para exercerem a sua ação (Alberts et al., 2010; Degterev et al., 2003).
As caspases são responsáveis pelas alterações morfológicas e degradativas que ocorrem
na célula durante o processo apoptótico, que incluem a perda da integridade da membrana
mitocondrial, a condensação da cromatina e fragmentação do ADN, a destruição do
citoesqueleto e alterações na membrana plasmática, que culminam na fragmentação da célula
em corpos apoptóticos, ulteriormente fagocitados (Azevedo, 2005; Hengartner, 2000).
As modificações da membrana plasmática decorrentes da apoptose incluem,
essencialmente, a exteriorização de fosfatidilserina, que normalmente reside na monocamada
citoplasmática da membrana (Azevedo, 2005).
4.1. Vias apoptóticas
O reconhecimento e a propagação dos sinais apoptóticos podem ocorrer por duas vias
apoptóticas principais: a via extrínseca, que envolve a estimulação de recetores de morte por
interação com ligandos externos, e a via intrínseca ou mitocondrial, ativada por fatores
internos, como danos no material genético ou stresse celular (Azevedo, 2005; Rang e Dale,
2012). Em ambas as vias, há ativação de caspases iniciadoras que dão início a uma cascata de
eventos, que envolvem a clivagem de proteínas essenciais à sobrevivência da célula, culminando
na morte celular (Azevedo, 2005).
4.1.1. Via extrínseca
A via apoptótica extrínseca é desencadeada pela ligação dos recetores de morte celular
aos seus ligandos. Os recetores de morte localizam-se na membrana plasmática e fazem parte
da superfamília de recetores do Fator de Necrose Tumoral (TNF).
A estimulação dos recetores pelos seus ligando externos, conduz ao recrutamento de
proteínas adaptadoras, que traduzem o sinal de ativação da caspase-8, uma caspase iniciadora,
que por sua vez inicia a cascata de ativação de caspases efetoras que culmina com a morte
celular (Rang e Dale, 2012).
4.1.2. Via intrínseca ou mitocondrial
Na via apoptótica intrínseca ou mitocondrial, as células são induzidas a sofrer apoptose
pelo stresse e dano celular.
7

Page 17
A mitocôndria integra os estímulos de morte celular, observando-se uma perda do
potencial de membrana mitocondrial que está associada à formação de poros de transição de
permeabilidade (PTP), que modificam a sua permeabilidade seletiva (Mollinedo et al., 2011).
Como representado na figura 3, na presença desses estímulos apoptóticos, a alteração de
permeabilidade da membrana mitocondrial permite a libertação de membros pró-apoptóticos
da família de proteínas Bcl-2, as proteínas Bid, Bax e Bak e à consequente libertação do
citocromo c, um componente essencial na via intrínseca da apoptose (Dunkle e He, 2011).
O citocromo c libertado liga-se, então, a uma proteína adaptadora, denominada Apaf-1
(Apoptotic protease activating factor 1), ativando-a, e o complexo assim formado associa-se à
caspase iniciadora, a pro-caspase 9, formando o apoptossoma. No interior do apoptossoma,
a pro-caspase 9 é ativada e dá início à cascata de caspases efetoras, incluindo a caspase-3, que
culmina na morte da célula (Ferreira, Adilson Kleber, Meneguelo, Pereira, et al., 2012; Rang e
Dale, 2012).
Image_208_0
Figura 3. Via apoptótica intrínseca ou mitocondrial. Adaptado (Alberts et al., 2010).
Em adição aos componentes pró-apoptóticos, a família Bcl-2 possui membros anti-
apoptóticos (por exemplo, a própria Bcl-2) que, contrariamente aos membros pró-
apoptóticos, inibem a libertação do citocromo c das mitocôndrias.
Em células normais, os fatores de sobrevivência ativam continuamente os mecanismos anti-
apoptóticos, e a retirada desses fatores de sobrevivência pode causar a morte celular de várias
maneiras diferentes dependendo do tipo de célula. No entanto, um mecanismo comum é uma
inversão do equilíbrio entre os membros da família Bcl-2 que conduz à perda da estimulação
da ação antiapoptótica das proteínas, com resultante ação sem oposição das proteínas pró-
apoptóticas (Rang e Dale, 2012).
8

Page 18
5. Evidências experimentais da atividade da fosfoetanolamina
sintética
A fosfoetanolamina sintética nunca foi formalmente testada e estudada em seres humanos,
existindo apenas evidências da sua atividade em modelos de tumores experimentais.
Desde o ano 2000, vários estudos experimentais in vitro (modelos celulares) e in vivo
(modelos animais) têm sido realizados no sentido de testar o potencial antineoplásico da
fosfoetanolamina sintética.
5.1. Efeito antitumoral em células de melanoma murino
O estudo inicial, (Ferreira, Adilson K et al., 2011), pretendeu demonstrar os efeitos
antitumorais in vitro e in vivo da fosfoetanolamina sintética em linhas celulares de melanoma
murino e de fibroblastos humanos normais. Os ensaios realizados incluíram a avaliação da
citotoxicidade e do efeito antitumoral da fosfoetanolamina e a determinação da atividade
apoptótica.
A fosfoetanolamina demonstrou efeito citotóxico in vitro sobre as células tumorais de
melanoma, nas concentrações de 1,5 a 6 mg/ml e não exerceu efeito sobre as linhas celulares
de fibroblastos humanos.
O ensaio in vivo foi realizado em ratos inoculados com células de melanoma murino,
aleatoriamente divididos em quatro grupos: dois grupos experimentais, tratados com
fosfoetanolamina nas concentrações de 7 e 14 mg/kg, um grupo comparador que recebeu
tratamento com Paclitaxel (Taxol®), agente citotóxico utilizado no tratamento do melanoma,
e um grupo controlo, não tratado. O tamanho do tumor foi medido três vezes por semana,
durante 40 dias de tratamento.
Observou
-
se uma redução
de
86
%
no
tamanho do tumor
nos
grupos tratados com fosfoetanolamina, quando comparado com o grupo comparador tratado
com
T
axol
®
,
que apresentou uma redução de
apenas
60
%
do tamanho do tumor
. As taxas de
sobrevivência foram significativamente maiores nos grupos tratados com fosfoetanolamina e
Taxol® e não foi observada perda de peso significativa nos animais.
O tratamento com a fosfoetanolamina nas concentrações de 7 e 14 mg/kg resultou ainda
numa inibição das metástases na ordem dos 5,4 % e dos 13 %, respetivamente, demonstrando
uma maior eficácia na redução das metástases comparativamente ao Taxol®.
Após remoção asséptica das massas tumorais dos dois grupos tratados com
fosfoetanolamina e do grupo controlo, foi determinada a apoptose nas células tumorais por
análise da expressão dos membros pró e anti-apoptóticos da família Bcl-2. Verificou-se que a
fosfoetanolamina induz a via apoptótica mitocondrial pelo aumento da atividade da caspase-3.
9

Page 19
Adicionalmente, num estudo efetuado, mais tarde, em modelos celulares de melanoma
murino, (Ferreira, Adilson Kleber, Meneguelo, Marques, et al., 2012), foi demonstrado o efeito
antiproliferativo in vitro da fosfoetanolamina sintética, dependente da concentração usada. Foi
também demonstrado que a fosfoetanolamina induz disfunções na mitocôndria, levando à
despolarização da membrana e redução do potencial de membrana, induzindo a atividade da
caspase-3 e consequentemente a morte celular.
Os resultados foram consistentes em ambos os estudos, demonstrando que a
fosfoetanolamina possui efeitos antitumorais em modelos experimentais de melanoma.
5.2. Efeito antitumoral em células de tumor ascítico de Ehrlich
O tumor ascítico de Ehrlich constitui um modelo de tumor experimental pouco
diferenciado e transplantável, que se assemelha aos tumores humanos mais sensíveis à
quimioterapia (Ozaslan et al., 2011).
Neste estudo, (Ferreira, Adilson Kleber, Meneguelo, Pereira, et al., 2012) , foram realizados
ensaios in vivo em ratos inoculados com células de tumor ascítico de Ehrlich, e ensaios in vitro
para avaliação da citotoxicidade da fosfoetanolamina em linhas celulares humanas de
adenocarcinoma da mama, melanoma maligno e carcinoma mucoepidermóide pulmonar em
comparação com fibroblastos e células endoteliais do cordão umbilical humanos e linfócitos
murinos normais.
Nos ensaios in vitro, verificou-se que a fosfoetanolamina sintética numa concentração de
2.30 mg/ml induziu citotoxicidade em todas as linhas de células tumorais estudadas sem afetar
a viabilidade das células normais.
No ensaio in vivo, os ratos foram aleatorizados em três grupos: dois grupos experimentais
tratados com fosfoetanolamina, nas doses de 5 e 70 mg/kg/dia, e um grupo controlo, não
tratado. Foi avaliado o crescimento do tumor e a taxa de sobrevivência, tendo-se verificado
nos grupos experimentais uma inibição do crescimento do tumor e uma maior taxa de
sobrevivência, sem hepatotoxicidade associada, em comparação com o grupo controlo.
Posteriormente, após extração asséptica dos tumores foram realizados ensaios in vitro nas
células tumorais obtidas para avaliação do efeito apoptótico da fosfoetanolamina nas alterações
morfológicas das células.
Foi demonstrado que a fosfoetanolamina induz a via apoptótica intrínseca ou mitocondrial,
através da redução do potencial de membrana mitocondrial, que aumenta a permeabilidade da
membrana externa e consequentemente a atividade da caspase-3, resultando em alterações
morfológicas celulares associadas à morte celular, tais como condensação da cromatina e
retração celular.
10

Page 20
5.3. Efeito antitumoral em modelos celulares humanos de cancro da mama
Neste estudo, (Ferreira, Adilson Kleber, Meneguelo, et al., 2013), foi investigado o efeito
antitumoral in vitro da fosfoetanolamina sintética no cancro da mama, que constitui a segunda
causa de morte nas mulheres. Para tal, foram utilizados modelos celulares humanos de cancro
da mama e células epiteliais da mama normais.
Em primeiro lugar, avaliou-se a atividade citotóxica da fosfoetanolamina nos dois modelos
celulares, tendo-se verificado citotoxicidade em ambos. No entanto, foi possível observar que
apenas concentrações elevadas da fosfoetanolamina resultaram em efeitos citotóxicos nas
células normais.
Posteriormente, foram realizados testes com o objetivo de medir o potencial de
membrana mitocondrial, a expressão de membros pró e anti-apoptóticos e a atividade das
caspases.
À semelhança do que tinha sido observado nos estudos realizados anteriormente, a
fosfoetanolamina demonstrou efeito apoptótico por redução do potencial de membrana
mitocondrial (∆Ψm), que resulta na formação de poros de transição de permeabilidade (PTP)
e na libertação dos membros pro
-
apoptóticos da família B
cl
-
2
, iniciando a cascata de eventos
que culminam na apoptose, incluindo a externalização da carga negativa da membrana
plasmática associada à presença da fosfatidilserina, conforme representado na figura 4.
Image_182_0
Figura 4. Mecanismo hipotético da indução da apoptose pela fosfoetanolamina sintética.
(Ferreira, Adilson Kleber, Meneguelo, et al., 2013)
Adicionalmente, foi demonstrado neste estudo que a fosfoetanolamina atua também por
inibição da proteína antiapoptótica Bcl-2, o que está fortemente relacionado com a libertação
das proteínas apoptóticas da mitocôndria para o citosol.
11

Page 21
5.4. Efeito antitumoral no carcinoma de células renais murino
O carcinoma das células renais constitui o tipo mais comum de cancro renal,
representando cerca de 85 % do número total de casos existentes.
No sentido de avaliar a atividade anti-angiogénica da fosfoetanolamina neste tipo de cancro,
foram realizados ensaios in vitro em modelos celulares de carcinoma renal murino em
comparação com células murinas imortalizadas dos túbulos proximais dos rins (IRPTC,
immortalized rat proximal tubule cells) e células humanas do endotélio do cordão umbilical
(HUVEC, human umbilical vein endothelial cells) normais (Ferreira, Adilson Kleber, Freitas, et al.,
2013).
Adicionalmente, foram realizados ensaios in vivo em ratos inoculados com células de
carcinoma renal murino com o objetivo de avaliar a atividade anti-metastática da
fosfoetanolamina.
Os ratos foram aleatoriamente divididos em três grupos, dois grupos experimentais,
sujeito ao tratamento com fosfoetanolamina nas concentrações de 50 e 100 mg/Kg/dia, e um
grupo comparador, tratado com sunitib, fármaco utilizado no tratamento do carcinoma das
células renais. De seguida, observou-se o desenvolvimento de tumores nos pulmões.
Nos ensaios in vitro foi avaliada a citotoxicidade da fosfoetanolamina nos vários modelos
celulares, em comparação com o sunitib, sendo que ambos demonstraram efeitos citotóxicos
sobre todos os modelos celulares, incluindo as células normais. No entanto, as células de
carcinoma murino mostraram-se as mais sensíveis ao tratamento com a fosfoetanolamina,
enquanto o sunitib foi mais citotóxico para as células endoteliais. Estas observações suportam
a teoria de que a fosfoetanolamina é mais seletiva para as células tumorais.
Na avaliação das propriedades anti-angiogénicas da fosfoetanolamina, investigou-se se a
fosfoetanolamina é capaz de regular os dois eventos chave da angiogénese: a proliferação e a
migração das células endoteliais, em comparação com outros inibidores da angiogénese.
O ensaio foi realizado no modelo celular HUVEC e os resultados demonstraram que, em
concentrações subtóxicas, a fosfoetanolamina inibiu o crescimento das células, exibindo, assim,
atividade antiproliferativa.
O potencial terapêutico da fosfoetanolamina foi validado no modelo in vivo de carcinoma
renal onde se demonstrou que a fosfoetanolamina inibe a formação de metástases pulmonares,
com uma eficácia superior ao sunitib.
5.5. Efeito antitumoral em modelos de leucemia humana
O estudo mais recente, (Ferreira, A K et al., 2013), pretendeu demonstrar os efeitos
antitumorais in vitro e in vivo da fosfoetanolamina sintética na leucemia, utilizando como modelo
12

Page 22
linhas celulares
humanas
de
leucemia eritromieloblástica e
de
leucemia das células
-
T
e células
mieloides humanas normais.
Nos ensaios in vitro, realizados sobre as linhas celulares humanas de leucemia, foi avaliada
a citotoxicidade da fosfoetanolamina sintética, bem como os mecanismos subjacentes. A
fosfoetanolamina demonstrou um potente efeito citotóxico dose-dependente sobre os
modelos celulares de leucemia, verificando-se que as células de leucemia eritromieloblástica
foram as mais sensíveis à fosfoetanolamina.
Na avaliação do mecanismo subjacente à citotoxicidade induzida pela fosfoetanolamina foi
mais uma vez demonstrado que a fosfoetanolamina induz a apoptose através da via
mitocondrial. Os resultados mostraram que o tratamento com fosfoetanolamina induz a
despolarização mitocondrial levando à diminuição do potencial de membrana combinada com
um aumento da transição de potencial mitocondrial e a libertação de agentes pró-apoptóticos
da mitocôndria, causando, por conseguinte, um aumento significativo na ativação da caspase-
3, que leva à exteriorização da fosfatidilserina.
No ensaio in vivo, conduzido em modelos animais transgénicos portadores de leucemia
promielocítica aguda, foram explorados os efeitos antitumorais da fosfoetanolamina, tendo
sido demonstrado que ela induz uma diminuição dos blastos e dos leucócitos no sangue
periférico, o que sugere que a fosfoetanolamina exerce efeitos antiproliferativos na leucemia
promielocítica aguda, por bloqueio da disseminação de clones malignos.
Em suma, neste estudo verificou-se que a fosfoetanolamina sintética possui atividade
antitumoral contra as células leucémicas, ficando, assim, demonstrado que não exerce apenas
efeito sobre tumores sólidos mas também contra tumores hematológicos.
6. Controvérsia
A fosfoetanolamina sintética tem sido alvo de grande controvérsia, ganhando grande
destaque na imprensa brasileira e internacional, bem como nas principais publicações
científicas a nível mundial (Escobar, 2016a, 2016b; Ledford, 2015).
Durante mais de 20 anos, as cápsulas de fosfoetanolamina sintética, produzidas por
Chierice no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo, foram
distribuídas informalmente a doentes oncológicos, sem terem sido realizados os ensaios de
segurança e eficácia necessários e sem existir autorização de comercialização concedida pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), autoridade reguladora de todos os
produtos e serviços sujeitos a vigilância sanitária no Brasil, incluindo os medicamentos. Alguns
dos doentes que receberam e iniciaram o tratamento com as cápsulas distribuídas,
13

Page 23
demonstraram algumas melhorias, perpetuando a crença de que a fosfoetanolamina sintética
seria uma cura milagrosa para o cancro.
Receoso com a distribuição não oficial da substância, o Conselho Administrativo da
Universidade de São Paulo proibiu o IQSC de continuar a produzir e distribuir ilegalmente a
fosfoetanolamina sintética, decisão que gerou uma onda de indignação entre os doentes. Como
resultado, durante o ano de 2015 multiplicaram-se as ações judiciais no sentido de obter, por
meio dos tribunais, o acesso às cápsulas de fosfoetanolamina.
Apesar da oposição da ANVISA e de sociedades científicas brasileiras, tais como a
Associação Médica Brasileira, a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira de
Farmacêuticos Hospitalares e a Sociedade Brasileira de Farmacêuticos de Oficina, no dia 14
de abril de 2016 foi publicada no Diário Oficial da União, o equivalente no Brasil ao Diário da
República português, a Lei número 13.269, sancionada pela, então, presidente do Brasil, Dilma
Rousseff, que autoriza a produção e a utilização da fosfoetanolamina sintética em doentes com
cancro, mesmo que não haja registo da substância na ANVISA (Presidência da República,
2016).
A promulgação da lei acendeu ainda mais a discussão sobre a fosfoetanolamina e
principalmente sobre a necessidade da realização de mais estudos sobre a eficácia e segurança
da substância. Diante da repercussão do tema, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
do Brasil, comprometeu-se a investir até 10 milhões de reais (aproximadamente, 2,5 milhões
de euros) para financiar as pesquisas.
7. Perspetivas futuras
Para ser aprovada a sua comercialização, qualquer substância com potencial terapêutico
deve passar por diversas fases que fazem parte do processo de descoberta e desenvolvimento
de fármacos: a fase pré-clínica, em que a substância é testada em laboratório e em animais no
sentido de verificar a sua atividade biológica e segurança para que possa seguir para a próxima
fase, a fase clínica, que compreende ensaios clínicos realizados em seres humanos para
avaliação da sua eficácia e segurança.
O IQSC em articulação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério
da Saúde, estão a promover a realização de estudos para verificar a segurança e eficácia da
fosfoetanolamina em laboratórios credenciados e com reconhecida experiência na pesquisa e
desenvolvimento de fármacos, em cinco estados brasileiros.
Até ao momento, foram já realizados quatro testes de segurança, que incluíram a avaliação
do potencial citotóxico e antiproliferativo da fosfoetanolamina, avaliação da dose máxima
14

Page 24
tolerada e seleção de doses, bem como a avaliação da sua genotoxicidade, em modelos
experimentais.
Os resultados obtidos, publicados em março de 2016, demonstraram que a
fosfoetanolamina não apresenta atividade mutagénica nem sinais de toxicidade, no entanto e
ao contrário do que se esperava, também demostraram pouca eficácia da fosfoetanolamina no
combate ao cancro. Apesar dos resultados insatisfatórios, o ministério anunciou a continuação
dos estudos.
Assim, a previsão é que continuem a ser realizados os testes pré-clínicos e que, caso a
fosfoetanolamina sintética demonstre potencial terapêutico e segurança, sejam iniciados, a seu
tempo, os ensaios em seres humanos para que a fosfoetanolamina possa vir a ser autorizada
como medicamento. O processo de descoberta e desenvolvimento de um novo fármaco, até
que seja aprovado como medicamento, é um processo longo e dispendioso, pelo que ainda
vai levar algum tempo até que eventualmente a fosfoetanolamina sintética seja aprovada para
comercialização.
Outra das hipóteses que se coloca, sendo inclusivamente recomendada pelo ministro da
tecnologia, ciência e inovação, é a aprovação da fosfoetanolamina sintética como suplemento
alimentar, que pode conduzir a uma aprovação mais célere da substância e dessa forma impedir
que muitos doentes tentem obtê-la por meios ilegais e sem qualquer tipo de controlo (MCTI,
2016).
15

Page 25
8. Conclusão
O conhecimento detalhado dos mecanismos moleculares de regulação da vida e morte
celulares é indiscutivelmente importante enquanto instrumento potencial de desenvolvimento
de estratégias de atuação em diversas situações patológicas, principalmente no cancro.
Os efeitos farmacológicos dos fosfolípidos antineoplásicos e os efeitos experimentalmente
demonstrados pela fosfoetanolamina podem ser considerados promissores para o tratamento
de vários tipos de cancro, devido ao seu potencial citotóxico contra uma grande variedade de
células cancerígenas.
Não obstante a importância dos estudos apresentados, para um melhor conhecimento da
fosfoetanolamina sintética e do seu comportamento, o processo de descoberta e
desenvolvimento de um medicamento de uso humano, requer a condução de ensaios
adicionais que até ao momento não foram realizados.
Assim, perante a diversidade que carateriza o cancro, sendo pouco provável a existência
de uma substância que consiga atuar e tratar eficazmente todas as variantes, não existem
estudos científicos rigorosos que permitam comprovar os benefícios, compreender os riscos
e garantir a segurança e a eficácia da fosfoetanolamina sintética para que seja utilizada como
agente farmacológico no tratamento do cancro.
16

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